Não importa se os gatos vivem dentro de um apartamento ou numa casa com jardim, basta um ruído repentino, uma viagem inesperada de carro ou uma visita ao veterinário para que um gato entre num estado de alerta que parece desproporcional aos olhos humanos, mas que se encaixa perfeitamente na sua biologia. O que para nós é um passeio rápido na caixa de transporte, para eles pode funcionar como a reedição de um perigo ancestral. Os felinos descendem de pequenos predadores que, em plena natureza, precisavam caçar para sobreviver, sim, mas que ao mesmo tempo eram presas de animais maiores. Essa dupla condição de caçador competente e presa deixou uma marca profunda na sua forma de interpretar o mundo. Por isso, quando surge um estímulo que consideram incontrolável, o seu repertório defensivo é ativado com toda a intensidade.
Compreender essa origem não só ajuda a ter mais paciência, mas também a detetar quando um gato está assustado e como acompanhá-lo de forma segura, sem o oprimir e sem agravar uma emoção que, se se tornar crónica, pode acabar por moldar o seu comportamento durante anos.
Prestar atenção à linguagem corporal
Quando um gato sente medo, o seu corpo fala com absoluta clareza para quem sabe observar. Ele pode se esconder debaixo da cama, rosnar, bufar ou ficar imóvel, como se toda a musculatura do seu corpo tivesse desaparecido. Às vezes, a respiração fica mais rápida, as orelhas se dobram para trás, os olhos se abrem até mostrar quase toda a íris e o pelo se eriça seguindo uma linha que reflete extrema tensão. A linguagem corporal felina é um mapa emocional muito preciso e, quanto mais cedo identificarmos esses sinais, mais fácil será intervir sem que a experiência piore.
Uma das chaves para acompanhar um gato assustado começa mesmo antes de o medo explodir. Muitos especialistas em comportamento felino insistem na importância de o animal ter um espaço próprio para onde se retirar quando a situação o ultrapassa. Não estamos a falar apenas de um lugar para dormir, mas de um território íntimo e controlado, onde o gato não seja obrigado a interagir com ninguém. Esse espaço deve reunir o básico: comida, água, caixa de areia, uma área quente para se esconder e, acima de tudo, um ambiente onde o animal possa relaxar sem interrupções. Em apartamentos pequenos, às vezes basta reorganizar um quarto ou criar alturas seguras que ofereçam ao gato a sensação de domínio do ambiente.

Estar atento aos gatilhos
Identificar os gatilhos também é essencial. Há gatos que entram em colapso ao ver uma caixa de transporte, outros que tremem com fogos de artifício, outros que ficam paralisados na presença de um cão desconhecido ou mesmo diante do aspirador de pó. Detetar esses padrões permite reduzir a exposição e antecipar-se. Se sabemos que um estímulo vai aparecer, como uma visita ao veterinário, festas com barulho, a chegada de um novo membro da família, podemos agir antes que o medo aumente.
Outra ferramenta útil é o uso de feromonas sintéticas que replicam sinais químicos tranquilizantes, semelhantes aos que uma mãe emite quando amamenta os seus filhotes. Esses produtos não resolvem a causa do medo, mas criam um ambiente mais propício para que o gato relaxe. Eles são usados em difusores elétricos e funcionam melhor quando fazem parte de uma abordagem global que inclui intervenções ambientais e comportamentais.
Não se resigne e peça ajuda
Nos casos em que o medo surge repentinamente, sem explicação aparente, ou quando o gato passa facilmente do estado de alerta ao pânico, é recomendável que um veterinário descarte dor, doenças ou problemas neurológicos que possam estar a amplificar a resposta emocional. Se a origem não for física, o próximo passo lógico é consultar um especialista em comportamento felino. Esses profissionais trabalham com o contexto completo do animal e podem elaborar estratégias personalizadas que abordem o problema desde a raiz. Em situações de medo extremo, o comportamento pode ficar tão alterado que só melhora com uma combinação de modificação comportamental e medicação temporária, sempre sob supervisão profissional.

A dessensibilização e o contra-condicionamento costumam ser os pilares desse trabalho. São técnicas que consistem em expor o gato, de forma controlada e gradual, ao estímulo que ele teme, sempre associando-o a experiências agradáveis. Se um gato entra em pânico com tempestades, por exemplo, o processo pode começar com gravações de trovões em volume muito baixo, acompanhadas de carícias, brincadeiras ou comida de alto valor. O objetivo é reescrever a emoção que o estímulo desperta. Quando o animal tolera essa primeira fase, o volume é ligeiramente aumentado. E assim, passo a passo, sempre ouvindo a sua linguagem corporal, recuando se necessário, trabalha-se para que o estímulo perca o seu poder ameaçador.
O importante não é a rapidez, mas a segurança emocional. Avançar um passo antes do tempo pode arruinar semanas de progresso, enquanto respeitar o ritmo do gato permite que a nova associação se consolide de forma estável. Com o acompanhamento adequado, muitos gatos conseguem reduzir significativamente o seu medo e recuperar uma vida doméstica tranquila, onde os estímulos que antes os paralisavam já não governam o seu comportamento.
